Bispo Emérito de Guajará-Mirim
Cidade natal: Fauch-En-Albigeois, no sul da França;
Data de nascimento: 29/06/1902;
Ordenação Presbiteral: 23/06/1929;
Nomeação Episcopal: 19/05/1945;
Ordenação Episcopal: 09/09/1945;
Renúncia: Em 1966.
História de Dom Francisco Xavier Elias Pedro Paulo Rey
Em 1932 chegava a Guajará-Mirim o Prelado Francisco Xavier Rey, de São Luís do Cáceres, onde exercera o sacerdócio durante dois anos. Ele vinha assumir a recém criada Prelazia de Guajará-Mirim, com apenas 29 anos de idade. Era um dos mais jovens Prelados do mundo. Filho de pais camponeses, Júlio Rey e Maria Combes Rey, o jovem religioso se destacou nos primórdios da ocupação do Vale do Guaporé-Mamoré. sempre na defesa dos oprimidos e das populações autóctones. Nasceu na cidade de Fauch-En-Albigeois, no sul da França, em 29 de junho de 1902. Seu nome de batismo era Pierre Elie Rey. Apesar de francês pelo nascimento, D. Rey abrasileirou-se, ensimesmado com as belezas rústicas do Vale do Guaporé-Mamoré, que tanto aprendeu a amar, bem como impregnado pela índole sonhadora do povo caboclo, simples e puro, pleno de misticismo e aspirações que compunha a sua gigantesca Prelazia: quase 100.000 Km2 de superfície e 1.500 Km2 de águas dos rios Guaporé e Mamoré, sem incluir os afluentes.
Durante 14 anos, Mons. Rey subiu os rios Mamoré e Guaporé com a lancha do Governo
do então Território Federal do Guaporé e descia à remo. Com dois companheiros,
enfrentando chuva, sol, friagem e o duende da Amazônia – a malária.
Há homens cuja vida acompanha, pari passu, seu pensamento, não sendo possível haver
separação entre uma e outra. E o que aconteceu com D. Francisco Xavier Rey. Ele encarnou o Vale do Guaporé-Mamoré, como nenhum o fez. Num exame de composição de sua personalidade, não sei bem o que mais destacar: se a excelência dos seus dons de
espírito, o homem de Deus que ele foi, o espírito de fidelidade evangélica, o seu irredutível empenho na propagação da fé, sua ternura por Cristo e pela sua Sagrada Mãe, Santa Maria ou o amoroso e arrebatado irmão dos indígenas, o professor, o músico, o carpinteiro, o pedreiro, o artífice, o mecânico, o agricultor, o eletricista, o pintor, atividades essas que exerceu, extrapolando suas lides sacerdotais e eclesiásticas, em prol do seu povo.
Criou em 1934 a primeira escola, Santa Terezinha, em Guajará-Mirim, contando com 33 alunas recrutadas de várias localidades do Vale do Guaporé-Mamoré. Essas jovens foram as primeiras professoras e catequistas a quem D. Rey confiou as primeiras das 29 escolas que criou a partir de 1937 em diversas localidades do famoso Vale. Infatigável, desprendido, nada queria reter para si, doando tudo aos necessitados. Além da criação das escolas, no campo educacional, criou, ainda, em 1964, a Rádio Educadora e, em 1965,com Dom Roberto Gomes de Arruda a Aldeia Indígena Sagarana.
No campo evangélico, implantou a Fé Cristã por toda parte em que punha seus pés, erigiu capelas e igrejas, inclusive, auxiliou também, a construção da igreja em Guayaramerin, na Bolívia. A Catedral de Nossa Senhora do Seringueiro, idealizada e construída por ele uma das atrações turísticas de Guajará-Mirim, imponente e bela, abriga o jazigo do Apóstolo do Guaporé, como ficou conhecido D. Rey. D. Rey sabia que nenhum país pode ser grande sem valorizar as suas expressões culturais, as raízes e as fontes de sabedoria do seu povo, portanto sempre apoiou e incentivou a centenária Festa do Divino.
Ardoroso estudioso e defensor do índio do Vale do Guaporé-Mamoré realizou pesquisas
de campo em regiões inacessíveis ao civilizado. Constatou que a cerâmica dos
Palmela, de Pedras Negras, mostrava linhas geométricas com distâncias iguais, semelhantes a outras culturas amazônicas: continham quatorze linhas diferentes.
Fez contato com quase todas as tribos do Vale e enfatizava a significação dos ornamentos corporais e da cultura material, a importância social da música, as diferentes formas de liderança e a ideologia do parentesco. Sempre fazia comparações sobre sociedades indígenas e a nossa.
Com os Massacá, aprendeu a apreciar a chicha e quis descobrir o segredo do temível curare, sem sucesso. Afirmava que o melhor presente que havia recebido fora uma fatia de bolo de macaxeira, oferecido por uma nativa em um momento em que estava com muita fome. E, acrescentava, “a coisa mais linda que já vi entre as diversas tribos indígenas, foi uma índia fiando”.
Culto, poliglota, falava francês, português, espanhol, latim, e recebia jornais de Paris, Rio de Janeiro e São Paulo. Na assistência hospitalar, D. Rey prestou imensa contribuição: fundou o Hospital Nossa Senhora do Perpétuo Socorro, em 1940,em Guajará-Mirim e um posto de saúde em Pedras Negras; em 1951, criou o 1° laboratório em Guajará-Mirim. Em lancha-hospital, embrenhava-se pelos rios para prestar assistência aos moradores dos igarapés e igapós, deixava a confortável lancha-hospital e partia de canoa e remo. Por isso, D. Rey sempre exclamava: “A canoa, em nossos rios, é a que sempre serve” Conviveu harmoniosamente com as lideranças políticas da região, quando esses trabalhavam pelo bem comum e os enfrentava corajosamente, quando cometiam injustiças. Em uma época, iam retirar o gerador de energia de Guajará-Mirim, visando conduzi-lo a um Município do eixo da BR-364. Não permitiu e liderou campanha em prol da conservação do gerador no seu Município.
Amigo particular de Aluízio Pinheiro Ferreira que ao referir-se sobre D. Rey exclamava: “nunca lhe neguei nada, porque trabalhava pela humanidade”. Convidou-o para celebrar a cerimónia religiosa em recebimento as litorinas adquiridas em sua administração como Diretor da Estrada de Ferro Madeira-Mamoré. Partiu de Porto Velho um comboio composto desses transportes ferroviários com destino à Guajará-Mirim. E na bela estação foi realizada a cerimônia de batismo. Em sua história toda, de geração a geração, o Vale do Guaporé-Mamoré afeiçoou-se a este missionário. Fascinaram-se por ele os nossos antepassados, fascinação transmitida a todos nós e registrada no 2°. andar do prédio do Museu Histórico de Guajará-Mirim – Recanto
de D. Rey, onde há muitos objetos expostos pertencentes a ele e que servem como instrumento de consolidação do aprendizado a todos que quiserem estudar a obra do grande missionário.
Faleceu em 20 de janeiro de 1983, no Hospital de Base “Dr. Ary Pinheiro” em Porto Velho, sendo seu corpo transportado de avião para Guajará-Mirim, onde foi sepultado. O tempo haverá de encarregar a outrem perenizar a sua presença e personalidade, através de sua obra de bispo humanitário e culto. A mim cabe o testemunho e o registro do depoimento que em 1982, doente, porém lúcido, prestou, exclamando: “A juventude de hoje precisa conhecer a História”.
Yêdda Pinheiro Borzacov, do Instituto Histórico e geográfico de Rondônia e da Academia de Letras de Rondônia